Na década de 1920, a Nestlé chega ao Brasil. A farinha láctea, responsável pela criação da empresa, já era importada antes da instalação da primeira fábrica da Nestlé no estado de São Paulo, a qual se destinava a produção do Leite Moça. Em 1929 e 1931, respectivamente, surgiram o Lactogeno e o Nestogeno, leites em pó para consumidores mirins, desde o nascimento.
Em artigo consultado, cuja discussão evidencia a importância dos almanaques nos aspectos culturais da sociedade brasileira, cita-se : “A propaganda do Almanaque Nestlé (1940, p. 13) oferecia o leite industrializado desde os primeiros dias de vida da criança: "Lactogeno é um leite em pó preparado pela Nestlé, de composição semelhante à do leite materno, e especialmente indicado para a alimentação dos bebês, desde os primeiros dias. Leite em Pó LACTOGENO faz crianças fortes e alegres".”
Cabe ressaltar que no inicio do século XX os brasileiros passavam por um processo de modernização crescente ligado ao incremento industrial. Portanto, aspectos culturais foram se modificando, entre eles o aleitamento materno. A citada industrialização e a progressiva inserção das mulheres no mercado de trabalho foram responsáveis pela demanda, e também por maior propaganda, de leites artificiais.
“O aumento da oferta dos leites industrializados no Brasil, a partir da década de 1930, produziu mudanças nos discursos médicos relacionados à amamentação. Segundo Almeida (1999, p. 39), a corporação médica, aos poucos, deixou de condenar o desmame para, subliminarmente, estimular a alimentação artificial com a mamadeira.” Logo, o chamado “biberon”, de origem francesa, e o leite em pó se tornaram sinônimos de modernidade.
Desde então a Nestlé apresenta discursos em prol dos pediatras, como na campanha de 2009 que mencionei no post anterior, e também em prol da construção de uma nação de crianças bem alimentadas, calmas, equilibradas, com bons hábitos de saúde e educação.
Assim como o parto cesariano tem sido indicado deliberadamente para mulheres que poderiam passar por trabalho de parto normal, os médicos cada vez mais induzem as mães a “complementar” a alimentação de seus bebês com leite em pó. Para recém nascidos que não atingem a curva média de crescimento, mães com dificuldades na amamentação, até outros problemas de alergia alimentar (como foi o caso com a Liv) ou não dormir a noite, leite artificial tem sido a resposta.
Pausa: gostaria de deixar esclarecido que não sou contra as mães que dão mamadeira de leite em pó para seus bebês. Fico, sim, muito revoltada com médicos que, sem motivos substanciosos, empurram o NAN ou qualquer outro para essas mães, levando-as crer que seu leite é fraco ou que não sabem amamentar.
A verdade é que todos esses problemas seriam resolvidos se os profissionais estivessem comprometidos com o bem estar da mãe e do bebê e dispostos a, de fato, ajudar ambos. Quero também lembrar que amamentar não é um ato fácil como se apregoa por aí. É preciso paciência e toda a orientação possível. Sem isso, está fadada ao fracasso. Por exemplo: o bebê deve esvaziar uma mama, antes de oferecer-lhe a outra. O leite tem duas fases: uma mais aquosa, cuja função é hidratação, e uma mais gordurosa, para a engorda do rebento. Se você seguir a orientação dada por alguns médicos de cronometrar no relógio X minutos no peito direito, X no esquerdo, seu bebê pode ficar sem receber a parte mais calórica do leite. Logo, ele poderá engordar menos. Obviamente, ele precisará de complemento na opinião desse mesmo médico.
Pediatras agradecem bebês bem gordinhos em seus consultórios; sinônimo de que é um médico muito bom...
Não sou fundamentalista. Existem casos e casos. Mas a resposta para todos os casos não é o leite artificial. Acredito, sim, que as relações baseadas na hipocrisia e no dinheiro podem comprometer a nossa saúde e a dos nossos filhos.
Um abraço,
Suellen
Artigo: A infância nos almanaques: nacionalismo, saúde e educação (Brasil 1920-1940)
Site: História da Nestlé